Harold Bloom escreveu que ler bem é um dos maiores prazeres que a solitude pode oferecer. Ter a leitura como prazer me mostrou que posso gostar de estar só, que buscar períodos de solitude e silêncio não significa estar isolada e em solidão. Devo grande parte de quem eu sou ao tempo que passei com os livros.
No início do ano, decidi que não compraria livros e é claro que não deu certo, mas parei com compras impulsivas e, de certo modo, estou orgulhosa do quão pouco gastei. O bacana é que receber livros se tornou algo raro e especial. Minha família me pediu para escolher os livros e não houve surpresa, mas permaneceu a boa sensação de ter sido presenteada.
Fiquei felicíssima com os livros: A obrigação de ser genial, de Betina González, uma coletânea de ensaios sobre escrita literária (que já estou lendo e adorando); The houseguest and other stories, da Amparo Dávila, traz contos de horror e esquisitice em meio ao ordinário — dizem que lembram as histórias de Poe, Kafka e Shirley Jackson; Stoner, de John Williams, acompanha um estudante de agronomia que se encanta com a literatura e torna-se professor na área — parece ter uma abordagem reflexiva e voltada às pequenezas da vida que combinou com o meu momento. Ainda está para chegar Intermezzo, da Sally Rooney, que lerei assim que receber, não importando o dia, o horário ou a situação.
Também ganhei Dois sonhos, de Dostoiévski. Eu não gostei nada dos três primeiros livros dele. Achei a escrita truncada, os enredos sofríveis, o estilo imaturo demais para compensar o esforço. Quase desisti do projeto de ler a obra completa, mas então pulei para Um pequeno herói, novela sobre o primeiro amor de um menino. O livrinho me deixou pasma por ter sido escrito enquanto o autor estava preso, mas principalmente pela leitura tão agradável, que quebrou a minha sensação com a sequência dos livros em ordem cronológica. Decidi que quero mesmo ler tudo de Dostoiévski, pois me parece que ele só melhora. No final, acho que valerá a pena e me anima ter um projeto para terminar antes dos 35.
Que tipo de leitora eu quero ser ao chegar aos 40? Espero ter lido tudo de Edith Wharton, Susan Sontag, Virginia Woolf e Dostoiévski, além de boa parte do que publicaram Thomas Mann, Shakespeare e Dickens. Me imagino relendo Austen mais duas vezes, e o que eu puder encontrar sobre ela. Terminarei Ulysses! Espero ter mais livros de Sally Rooney, Elif Batuman e Ottessa Moshfegh para ler.
Ter trinta anos é e não é grande coisa. Pensava no número como a idade para estar bem sucedida e hoje nem sei o que isso poderia significar. Queria ter feito mais e poder dizer que entendo profundamente a vida e os vários assuntos que me interessam. Ao mesmo tempo, há algo de maravilhoso em ter tanto para fazer, conhecer e ler, em saber que não há realmente linha de chegada.
Me perguntaram se a newsletter é trabalho ou hobby.
Se a versão paga é compromisso com os assinantes, o projeto como um todo é mais pessoal e parte da necessidade de escrever para registrar, pensar e tentar fazer algo com as experiências. Como disse a
: eu leio e eu escrevo, é quem eu sou. A newsletter, então, poderia ser tanto um arquivo de quem eu sou quanto de quem estou buscando ser. Nem trabalho nem hobby, algo indefinido. Talvez o registro da vida moldada pelos livros. Aos 40, volto à pergunta.
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Gosto muito de The Houseguest! Merecia receber uma edição traduzida por aqui
eu gosto de dostoievski, mas concordo que é preciso insistir um pouco para concluir a leitura.