Pensava a minha estante como uma representação material de quem eu sou. Mas ela representa sobretudo quem eu pretendo ser, o caminho que eu quero seguir. Nela estão somente as minhas leituras futuras, já que guardar um livro concluído é prometer voltar.
Quando pego um livro pela primeira vez, eu me deixo levar. Pelo enredo, pela beleza na escrita, pelo prazer de ler. Certos aspectos costumam despontar, mas não forço para que aconteça no primeiro contato. Leio conforme sinto que preciso ler e faço isso em detrimento da melhor leitura possível, pois sei que posso escolher retornar ao livro. Ao reler, faço a tentativa de entender melhor o que chamou a minha atenção na primeira vez, de explorar camadas.
Desse modo, são melhores as leituras ou releituras?
Em seu diário, Virginia Woolf escreve sobre Ulysses, do qual não gostou: “Não li o livro com cuidado; tampouco o reli; e é bastante obscuro; portanto sem dúvida estou atamancando seus méritos mais do que seria justo”1. Logo em seguida, ela parte de uma resenha que fez o livro parecer melhor para escrever:
“Seja como for, ainda acho que nas primeiras impressões existe certo mérito e verdade duradoura; e portanto não desconsidero a minha. […] Provavelmente a beleza última da literatura jamais pode ser sentida por seus contemporâneos; mas mesmo assim, eu acho, eles precisam sentir que levaram um drible, e isso eu não senti.”
Aproveito melhor os livros a cada releitura, pois leio com muito mais calma, com disposição para pausar, interpretar, pesquisar. Mas se as releituras me permitem olhar mais de perto para os padrões e complexidades de um livro, elas só existem por causa de uma primeira leitura apaixonada. É o que eu senti na leitura pregressa que move a releitura.
Tolstói está entre meus escritores favoritos. Li Anna Kariênina duas vezes e sei que a próxima vez não está tão longe. Por outro lado, não tenho a menor vontade de reler A Sonata a Kreutzer. Pode ser que ele seja muito melhor do que as primeiras impressões me fizeram pensar, mas não quero investir tempo para investigar essa possibilidade. Enquanto isso, estou indo para a releitura da obra completa de Jane Austen, o que me vejo fazendo pelo resto da vida. Os livros de Austen clamam por releituras e não apenas porque são mais complexos e unificados do que parecem, mas principalmente porque ler Austen é prazeroso e instigante demais.
Woolf também está no alto da lista de favoritos. No ano passado, terminei O quarto de Jacob e não consegui interpretar boa parte dele, no entanto, contive o impulso de pesquisar e escavar. Deixei que bastasse gostar do livro, mesmo sem entendê-lo por completo. Guardo as impressões sobre a escrita bonita de Woolf, a narrativa fragmentada e as flutuações de consciência. O livro me fez sentir coisas boas, entre elas o desejo de entendê-lo melhor em uma próxima. Mantenho-o comigo e prometo voltar.
Vamos ler Jane Austen em ordem cronológica?
Começaremos em 23 de junho com Razão e sensibilidade. A ideia não é terminar um livro a cada mês, mas ler com calma e apreciação. As informações do projeto estão aqui.
eu não consigo ler o mesmo livro 2 vezes,pois eu sinto que nunca será como a 1 vez e eu não quero "tirar" a magia de como foi a primeira vez. Mais,espero conseguir um dia,fazer reletuiras.
Lindo artigo!<3
"Nela estão somente as minhas leituras futuras, já que guardar um livro concluído é prometer voltar". Maravilhoso!
A minha questão com as releituras é aquele eterno dilema sobre "Querer ler o máximo possível de grandes obras e autores" vs. "Saber que não é possível no tempo de uma vida". E aí, onde encaixar as releituras? rsrs
No fim, são escolhas que fazemos.
Recentemente, terminei Moby Dick depois de muitos anos "intimidado" com a enormidade física e literária do livro. Antes de começar a ler eu já sabia que seria um livro que eu precisaria reencontrar algum dia. Pode ser daqui cinco, dez, ou vinte anos.
Como você bem destacou, senti muitas coisas durante essa primeira empreitada que manterão sempre acesa a chama da releitura.
Um grande abraço!