Me incomoda encontrar nos livros o retrato de situações desconhecidas por quem as escreveu. É nítido quando se inventa sem pesquisa ou vivência, sem saber como as coisas de fato são. Inverossimilhança me faz detestar qualquer livro. Me fez parar de escrever, frustrada, quando me flagrei inventando irrealidades demais.
As tentativas de terminar um romance iluminaram problemas pessoais até então despercebidos: em 2021, um susto com a saúde me deixou com pavor de adoecer. Com o tempo, o receio inicial tornou-se medo do mundo: da violência possível às improváveis eventualidades. Ansiosa por viver, deixei de fazê-lo. Minha casa tornou-se casulo e eu não queria sair. Segui assim até que as dificuldades com a escrita me mostraram esse afastamento progressivo da vida e só o percebi porque, por mais que eu tentasse, não havia sobre o que escrever.
Há uma anotação no meu diário: serei eu como uma personagem de Dostoiévski? É de quando eu me vi presa nos redemoinhos da minha própria cabeça e isolada dos outros. Faz meses que tenho me afastado dessa imagem. Enquanto resolvo as minhas ansiedades e busco estar mais presente no mundo, tento encontrar o tipo de vida que eu quero ter. Esse questionamento sempre me leva de encontro à escrita. Quero ser escritora, então como alimentar essa ânsia?
Textos partem de algum lugar.
A ideia para essa edição surgiu da leitura de "A escrita como faca e outros textos", de Annie Ernaux. Uma mera anotação no meu diário só existiu de uma latente conexão da vida com "Memórias do subsolo". Ler, estudar e ir atrás de referências, no entanto, não me fornece bagagem suficiente para a escrita criativa.
A ficção é alimentada pela vida, pois os bons livros são como uma fagulha dela. É possível e deve-se inventar muito, mas não tudo. São os cheiros não desinfetados, as diferentes formas de falar, as nuances nos gestos dos outros, os detalhes e as texturas do mundo, o próprio movimento da vida acontecendo que fornecem o material. Não existe escrita no vácuo.
Acho que, da mesma forma que precisamos ler muitos livros para escrever romances, temos que conhecer muitas pessoas para criar personagens. “Conhecer pessoas” não significa entender as pessoas a fundo. Basta prestar um pouco de atenção nas peculiaridades da sua aparência, das suas ações e falas. — Haruki Murakami, em “Romancista como vocação”
Exilada, acabei esquecendo como as pessoas são. Quantas formas de expressão corporal existem por aí? Como alguém que não sou eu reage às situações? É possível escrever diálogos sem um ouvido atento às conversas reais?
Ter bagagem literária é apenas parte do processo. Escrever é, também, ancorar a ficção na concretude da vida.
Vim escrever que me identifiquei com seu texto e encontrei outros comentários dizendo o mesmo. Então é isso, nos identificamos muito com seu texto. Obrigada!
Me identifico muito com o seu texto. A vida é feita para vivermos e as vezes é difícil mesmo estar presente no mundo para vivê-la. O contato com o outro e com o mundo é parte das necessidades básicas para pessoas criativas.