Conheci Susan Sontag através da entrevista para a revista Rolling Stone e depois fui direto aos seus diários. Passei por alguns de seus ensaios, pelo documentário sobre sua vida e pela coletânea póstuma “Ao mesmo tempo”. Me falta, contudo, terminar um dos livros mais aclamados.
Com certo receio de me aventurar em seus principais textos, leio-a aos poucos, como quem tateia o entorno da lenda que foi Sontag. “Sempre Susan” mostra que minha insegurança talvez não seja tão descabida, pois Sigrid Nunez retrata Sontag como uma força incandescente, ávida por conhecimento e pela vida.
Nunez trabalhou datilografando a correspondência de Sontag quando esta, aos 43 anos e já reconhecida, recuperava-se de uma mastectomia radical. Ela começou a namorar o filho de Sontag e morou com ambos no apartamento da ensaísta em Manhattan. Em meio ao convívio, ganhou uma mentora e conheceu Sontag nos momentos de hostilidade e nos de vulnerabilidade.
Entre os conselhos dados à Nunez, estavam os de resistir à pressão de pensar em si como uma mulher escritora e à tentação de ver-se como vítima. Sabia que ser séria, levar-se a sério e ser levada a sério era (e é) mais difícil para a mulher. Sontag não era vaidosa e não tinha medo de ser vista como masculina. Media-se pela régua da inteligência e assumia a responsabilidade por atingir, ou não, o padrão que se impôs.
Sontag não foi a escritora de ficção que gostaria e aposto que, se pudesse melhorar de súbito algo em sua aparência ou em sua escrita, escolheria a escrita de ficção — penso, ainda, que eu faria o mesmo. Nunez conta que a própria Sontag diagnosticou o problema em sua ficção como a desatenção ao detalhe e determinou-se a corrigir isso em “O amante do vulcão”, considerado o seu melhor romance.
“A imagem permanente que tenho dela se encaixa perfeitamente na de uma estudante, daquelas fanáticas: ficar acordada a noite toda cercada por pilhas de livros e papéis, acelerada, fumando um cigarro atrás do outro, lendo, fazendo anotações, martelando a máquina de escrever, motivada, competitiva. Para escrever aquele trabalho que receberia a nota máxima. Para ser a melhor da classe.”1
Em seu livro de memórias, Nunez escreve com afeto, mas reconhece os defeitos e equívocos de Sontag. É um retrato vívido da ensaísta, que aumentou a minha já existente admiração por sua erudição, pela força que me parece sobre-humana e a dedicação ao ofício, mas me alertou em relação ao costume de medir-se pela régua do intelecto: como é tão cruel e frustrante quanto fazê-lo pela da aparência. Querer ser Susan Sontag é, ao mesmo tempo, o estímulo e a impossibilidade.
“Sei que a inveja — inveja séria, fervilhante e rancorosa — a perseguia aonde quer que fosse.”
Ao valorizar o intelecto sobre outros aspectos, como eu poderia não invejar o de Sontag? Como não buscar ser, como escritora, ao menos um fragmento de quem ela foi? Contudo, não sei dizer se eu saberia lidar com o ímpeto que a movia sem ser eventualmente aniquilada por ele, ou o que essa força vulcânica pode ter custado para a humana por trás da lenda. Então tenho-a como o exemplo ambivalente de quem eu gostaria e não gostaria de ser — e o delicioso livro de Sigrid Nunez reforçou esse sentimento.
As citações neste texto são do livro “Sempre Susan”, de Sigrid Nunez, publicado pela editora Instante, com tradução de Carla Fortino.
Li recentemente a primeira coletânea de ensaios da Sontag, "Contra a Interpretação e outros ensaios", e é uma das melhores coisas que li nos últimos anos. Escritos na primeira metade dos anos 1960, mas incrivelmente modernos. O ensaio (e a escrita) como performance notável.
O livro da Sigrid Nunez tá na minha fila.
Tenho curiosidade com Susan faz tempo. Tenho uma parte dos seus diários, mas ainda nao dei conta de ler. Tentarei.