Sim, sabemos que Oxford definiu “brain rot”, ou “apodrecimento do cérebro”, como a expressão do ano em 2024. Ela captura não apenas o ano passado, mas uma atualidade de busca por prazer instantâneo, de encurtamento da atenção. Como não me sinto tão propensa a passar horas rolando o feed de redes sociais, me considerei uma exceção ao brain rot. Como eu poderia não ser? Quando a vida está em condições ideais, leio com frequência, mantenho o tempo de tela sob controle, faço tudo com tranquilidade. Mas por quanto tempo a vida permanece, de fato, em condições ideais?
Me dei conta de que nos momentos de incerteza, cedo de bom grado ao brain rot. Desbloqueio o celular por puro reflexo. Checo o e-mail e as mensagens incontáveis vezes, ansiosa e tentando me antecipar às buchas da vida adulta. Sinto ansiedade para fazer de tudo e não sei por onde começar. Me disperso em atividades, abas, vídeos e pensamentos. No fim de cada dia, sinto a mente sobrecarregada e esvaziada ao mesmo tempo. Me pego à deriva, em estado de nebulosidade mental.
Listo o que posso fazer para “desapodrecer” meu cérebro e o primeiro passo é óbvio: parar de viver grudada no celular — não dormir ou passar o dia com o aparelho ao lado e disponível. Voltar a escrever um diário para estar atenta à vida. Filtrar o que e quando consumo. Tirar tempo para pensar e escrever sobre o que leio e assisto. Aproveitar o início da minha época favorita para caminhar ao ar livre e não estar sempre em frente às telas. Guardar os finais de semana para ler durante horas seguidas. Ter um projeto de leitura longo e lento (como um capítulo de Middlemarch por dia), que me estimule a pensar e me mantenha lendo diariamente, mesmo que por alguns minutos.
Não sei se dará certo, mas farei de tudo para que dê. Um dos meus maiores medos é passar pela vida desatenta e trôpega, no automático, e só perceber depois de anos que não construí nada, que meu mundo interno ficou oco.
Em Caderno Proibido, da italiana Alba de Céspedes, a protagonista passa a notar a própria vida ao começar um diário. Ela escreve: “Aprender a compreender as coisas mínimas que acontecem todos os dias talvez seja aprender a compreender realmente o significado mais recôndito da vida. Mas não sei se isso é um bem, temo que não”1. O livro de ficção é um diário que começa com registros banais e se desdobra para reflexões mais densas. Ter o que escrever pede pelo olhar mais demorado e atento à vida, ao pensamento. Essa construção de um mundo interno é, para Valeria, tanto um refúgio ao caos quanto uma ferramenta para encarar a vida com lucidez.
E estar atenta é cansativo. É mais fácil ceder às distrações, especialmente quando as condições não estão perfeitas. Mas são nesses momentos que preciso de atenção redobrada, não só para lidar com a vida, mas também para não tê-la vivido como um atravessamento… sem notar o que houve de bom em paralelo às dificuldades, sem compreender significados encobertos pelo modo automático de viver.
Caderno Proibido, de Alba de Céspedes. Publicado pela Companhia das Letras com tradução de Joana Angélica d'Avila Melo.
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É uma armadilha na qual a gente cai fácil demais, né? Também estou tentando sair desse estado, espero que dê certo por aí ♥️