Posso apontar três pontos de virada na minha jornada literária. Mais de uma década separa os dois primeiros: quando comecei Harry Potter e o período em que encontrei refúgio da pandemia nos livros. O terceiro veio pouco tempo depois, com as leituras em sequência de Anna Kariênina e Orgulho e preconceito, que redefiniram o meu gosto e modo de ler. Foi a partir daquele momento que comecei a construir o meu cânone pessoal1.
Em Por que ler os clássicos, Italo Calvino lista as definições possíveis de clássico, como: clássico é o livro que nunca terminou de dizer o que tinha para dizer e o seu clássico é o livro que te define em relação e talvez em contraste com ele. Selecionar não escapa à subjetividade de quem está selecionando. O conceito de cânone pessoal rompe com o que os jornais ou a academia podem considerar clássico e assume a passionalidade envolvida na escolha. O que importa, de fato, é relação íntima entre leitor e livros.
Estão entre os meus clássicos Edith Wharton, Virginia Woolf, J. D. Salinger, Tolstói e Dostoiévski, mas também Ian McEwan e Sally Rooney, talvez contemporâneos demais para serem canonizados. Melville entrou na lista por Moby Dick. Adorei David Copperfield, mas não o suficiente para já dar passagem ao Dickens. Elena Ferrante foi desselecionada, mas pode voltar após a releitura. Quem sabe? Escolher um favorito é um ato pessoal, subjetivo e mutável. Desconfio, contudo, que Jane Austen nunca deixe o primeiro lugar da lista.
George Saunders escreve que crítica é uma questão de notar-se respondendo a uma obra de arte, momento a momento, e tornar-se melhor em articular essa resposta2. Responder é sobretudo sentir. E livro algum me fez sentir tão bem quanto os de Austen. Terminei todos os seus romances e reli os meus favoritos. Tenho várias edições da sua obra e dezenas de livros sobre ela. Mas a nossa relação começou atravessada por preconceito. Passei anos com a edição de Orgulho e preconceito encalhada, desconfiando do seu início:
“É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro em posse de uma boa fortuna deve estar à procura de uma esposa.”3
Pensava que Austen escrevia livros românticos e bobos, que não eram para mim. Não por uma questão de orgulho e preconceito, mas de preconceito e ignorância. Com pouca bagagem literária, apressada demais para uma leitura atenta, alheia a tudo o que há em um livro além do enredo, eu não consegui seguir com Austen. Quando superei o preconceito e dei uma chance real à autora, fiquei fascinada.
Com enredos aparentemente banais e envolvendo histórias de amor, os romances ocorrem em períodos e espaços relativamente contidos. Confinada à vida nos bailes, salões e vilarejos, Austen observou profundamente as pessoas e dinâmicas sociais. Como que tirando leite de pedra, ela agarrou as suas limitações e críticas e transformou-as em retratos da vida doméstica cheios de inovação e humor.
Gosto mesmo de Austen. Adoro a perspicácia, ironia e inteligência nos seus textos. Admiro o quanto ela insistiu na escrita apesar das restrições e contra as probabilidades. Foi Austen quem me fez querer estudar literatura com mais seriedade. Ela inovou com o uso do discurso indireto livre e a construção de personagens multifacetadas. Tudo em seus livros é mais complexo do que parece. Lê-la é tão divertido que quase passa despercebido todo um universo de camadas, minúcias e sutileza.
Desde que terminei os romances dela, sinto vontade de relê-los em ordem cronológica e acompanhada pelos livros austenianos que venho acumulando.
Estou tirando o projeto do papel e trago um convite:
Vamos ler Jane Austen?
O projeto, que acontecerá com os apoiadores da newsletter, terá cronogramas tranquilos e pausas para descanso. Vamos ler Austen em ordem de publicação: Razão e sensibilidade, Orgulho e preconceito, Mansfield Park, Emma, A abadia de Northanger e Persuasão.
Os apoiadores acessam o chat do Substack para conversarmos sobre os livros e recebem edições com análises e estudos enviadas ao longo das leituras. Torne-se um apoiador assinando aqui a versão paga da newsletter. Os inscritos na versão gratuita recebem textos do projeto esporadicamente.
Pegue a sua edição de Razão e sensibilidade e venha para a primeira leitura, que começa em 23 de junho e durará seis semanas:
23 a 29/6: capítulos 1 a 12
30/6 a 6/7: capítulos 13 a 22
7 a 13/7: capítulos 23 a 30
14 a 20/7: capítulos 31 a 36
21 a 27/7: capítulos 37 a 43
28/7 a 3/8: capítulos 44 a 50
Avisos
Os livros devem ser adquiridos por quem quiser lê-los, pois não estão inclusos no valor da assinatura da newsletter e não serão disponibilizados. As conversas sobre as leituras acontecerão no chat do Substack, acessível no navegador ou aplicativo.
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Conheci o conceito através do Benjamin McEvoy, que eu adoro.
Orgulho e preconceito, de Jane Austen. Tradução de Lígia Azevedo para a Darkside.
Qual tradução do livro razão e sensibilidade você lerá?
tenho muita dificuldade em escolher meus livros e autores preferidos. eles mudam muito de tempos em tempos. hoje, acho que colocaria entre meus cânones contemporâneos pessoais o ian mcewan também, além de lionel shriver (“precisamos falar sobre o kevin” e “o mundo pós-aniversário”) e kazuo ishiguro (“o gigante enterrado”).