Guerra e paz é um dos livros da minha vida. É sobre a invasão da Rússia por Napoleão através dos olhos do povo russo, mas não só. Eu amo como Guerra e Paz e Anna Kariênina, meus calhamaços mais queridos, são enormes porque devem ser. Porque são cheios de personagens e cenas que materializam o que é ser humano. E de descrições lentas, lindas e que parecem congelar um momento, como um homem se aproximando da amada e sentindo-a, como sentimos o sol mesmo sem vê-lo (Anna K.), ou outro, gravemente ferido e encontrando serenidade na vastidão do céu (G&P). Tolstói tinha uma capacidade enorme de observação — do que era único e comum nas pessoas; dos detalhes do mundo e da natureza; das dinâmicas sociais e de poder. Tinha, também, uma sensibilidade que me comove sempre que lembro de algum trecho da sua obra.
Sem dúvidas, minha melhor leitura de 2024 foi Guerra e paz.


Stoner, de John Williams, acompanha a vida completa de William Stoner, filho de camponeses que vai à universidade cursar agronomia, mas se encanta com a vida acadêmica, a literatura e torna-se professor, afastando-se de suas origens. Stoner é um homem comum, com vivências ordinárias, difíceis e muitas vezes insatisfatórias — como a vida costuma ser. Ele segue imerso nos livros, dedicado aos estudos e à sua vida interior. Talvez por isso tantos leitores adorem Stoner, que me fez refletir sobre o valor dos livros como refúgio, assim como o de um mundo interno rico e inabalável. Pensei também sobre como não basta cuidar da mente e ter paixão intelectual, mas negligenciar outros aspectos da vida. Pensei em como não quero ser alguém como Stoner e, ao mesmo tempo, gostaria de ter parte do estoicismo dele. A história é bonita, incômoda e ficou comigo. Acho que gostarei dos outros romances do autor.
De passagem, de Nella Larsen, é um livro curto e potente, ambientado nos Estados Unidos quando leis impunham a segregação racial. Duas amigas afastadas há anos se reencontram no momento em que ambas estão “passando” — o título do livro em inglês, Passing, refere-se a quando uma pessoa é vista como parte de um grupo racial ou étnico que não é o seu (no contexto da obra, como estratégia prática ou de sobrevivência). As características físicas das personagens, Irene e Clare, permitem que elas sejam percebidas como mulheres brancas. Enquanto Irene passa apenas para acessar lugares segregados ou para garantir sua segurança, Clare enterrou a própria identidade e esconde-se à vista, chegando a casar com um homem racista para ascender socialmente. É um mundo tenso e à beira da ruptura — não só pela vida dupla de Clare, mas também pelas relações entre Irene, seu marido e a antiga amiga, por quem Irene sente uma mistura de lealdade, inveja e ressentimento. Um novelão que aborda raça e identidade, sobre ver e ser vista… me prendeu demais!


Pequenas coisas como estas, de Claire Keegan, é um romance curtinho. Li em uma noite, mas pensei sobre ele durante semanas, durante meses. O livro acompanha poucos dias na vida de Bill Furlong, um homem gentil e comum, que se depara com uma situação horrível. Ele sabe que, se agir, sofrerá consequências. Mas tampouco consegue esquecer o que viu. Fiquei comovida com a história e encantada com a escrita minimalista e certeira de Keegan. Já escrevi sobre o livro em outra edição:
Elementais, de Michael McDowell, foi uma baita surpresa! Eu adoro Beetlejuice e descobri que o escritor por trás do primeiro filme, McDowell, foi um prolífico autor de terror. Elementais é um livro de casas assombradas: depois do estranho funeral da matriarca dos Savage, seu herdeiro decide passar os dias com o restante da família na praia deserta onde possuem três casas gêmeas. Grande parte da trama acontece sob o sol escaldante do sul dos Estados Unidos. O mistério e o terror giram em torno da terceira casa, tomada por uma duna de areia e inabitável há anos. O clima e as cenas de terror são bem escritas, mas os diálogos e a dinâmica familiar são ainda melhores. A edição da Darkside traz um posfácio bacana, destacando que McDowell se considerava um escritor comercial, mas isso não o limitou. Ele foi cuidadoso, habilidoso e focado em escrever boas histórias. De fato, Elementais é um terror divertido e de qualidade, que despertou meu interesse pelo gótico sulista americano, parte da literatura que ainda não havia me chamado a atenção.
Não posso falar sobre livros marcantes sem citar Os miseráveis, que detestei. Passei meses com o livro, relevei alguns incômodos para gostar da primeira parte, mas achei que ele foi ficando cada vez mais absurdo. Alguns personagens são inesquecíveis, a escrita é bonita e eu poderia ter gostado se não fossem exageros que me indignam até hoje1. Não gostei de como quase tudo é inverossímil; de como a maioria das personagens não tem nuances e serve como representação óbvia do que é bom ou ruim; do abuso de coincidências para avançar a trama; e de como o livro é uma sequência de eventos trágicos, sem conclusões satisfatórias, usados para dar vazão ao melodrama. Também me incomodou o excesso de escritos que parecem estar ali só para provar um ponto… me senti como quem erra a sala do cinema e descobre no meio do filme que está vendo uma palestra. Não me imagino relendo, mas não me arrependo de ter lido. Ele serviu para mudar muito do que eu pensava sobre livros.
Me livrei da sensação que me seguia há anos: de que quanto mais eu lia, mais faltava para ler. Acalmei a vontade, ou autocobrança, de encaixar todos os clássicos em uma vida de leituras. Há tantos livros considerados importantes ou adorados por pessoas que admiro, mas agora fico tranquila reconhecendo que eles estão por aí e não preciso lê-los. Há autores que não serão para meu gosto… posso seguir a vida sem insistir em suas obras.
Alerta de leves spoilers: como quando um homem carrega outro com os braços erguidos acima da cabeça enquanto atravessa águas lamacentas, sem dar pé e sem afundar; ou quando um apaixonado deixa de trabalhar e escolhe viver na miséria porque sua amada, que ele não conhece e só viu à distância, se mudou. Quando tudo é tão exageradamente dramático, nada me marca.
Obrigada por seu envio.. Sou altamente grata por novos caminhos bj
Me identifiquei muito com seus comentários sobre "Stoner"! Adoro esse livro e tô feliz demais que será releitura deste ano =)
E ainda bem que "De passagem" já está em um dos meus projetos para este ano - do contrário, depois de ler suas impressões, teria de arrumar um jeito de colocá-lo na "periguete literária", rs! Feliz em saber que gostou dele!